segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Texto - Mais uma contribuição do amigo Isaac Sandes


O CANALHA



Na galeria de tipos humanos, o canalha certamente tem seu lugar de destaque.
Não confunda o canalha com o mau caráter. O mau caráter é um tipo asqueroso; covarde; traiçoeiro e sem o menor glamour. Identificado, o mau caráter é prontamente escorraçado de qualquer meio, sem que tenha, em seu favor, manifestação embrionária de defesa. Nem que seja de um bom Samaritano.
Enquanto o verdadeiro e caricato canalha…!!! Esse não !
O autêntico e secular canalha é dotado de um glamour e um charme que faz com que, seus atos, mesmo condenáveis à primeira vista, sejam, após prudente distanciamento, reavaliados com um certo ”que “ de romantismo canastrão.
Os contumazes frequentadores dos outrora românticos bordéis, sabem do que estou falando. Lá, os verdadeiros canalhas sempre foram os seres mais destacados e paparicados pelas literais animadoras da torcida.
O canalha de bordél, se sentia num à vontade difícil de descrever por um escrito puritano. Ele desfilava no puteiro, como se fosse um sargento linha dura passando em revista um pelotão de borrrados recrutas. Olhar altivo; queixo levantado; peito estufado num Passo de Ganso. Parecia um Duce.
Lá ele sempre foi alvo dos mais elevados encômios e destinatário de respeito reverencial. Até dos mais antigos frequentadores. O canalha dominante do Bordel era o pavor dos semi desvirginados adolescentes que, saídos do seu rito de passagem, vagueavam, ainda, inseguros e temerosos em território que era todo do canalha.
O canalha do qual estou falando é aquele que empresta um colorido especial ao monótono tecido social.
Quem viveu a infância num cidadezinha de interior, sabe que o canalha local é aquele que fornece o combustível para as rodas de fofocas que se formam à noite nas pracinhas, bem como fornece matéria prima para o linguarudo barbeiro.
Qual cidade de interior não possui os seus canalhas de estimação ?
São eles representados pelas mais diversas subespécies:
É o velhaco contumaz; o dono da venda que todos sabem ser o mais descarado ladrão, no preço e no peso; o agiota que posa de moço bom, frequentando e participando de todos os eventos da paróquia; é aquele corno desentendido, que faz questão de contar as qualidades empreendedoras da esposa; o camelô trambiqueiro vendendo óleo de Peixe-Boi nas feiras; o Padre que, na baixa, come a recatada beata; o vizinho que, respeitosamente, vive chifrando seu mais estimado cumpadre; o mentiroso folclórico; a velha e vigarista macumbeira que promete resolver qualquer problema de amor não correspondido, afastar olhos cobiçosos e promover a cura daquele irrecuperável broxa.
Enfim! Tais tipos, são Pedros Malazartes materializados diante de nossos olhos.
Todos nós sabemos quanto carregam de canalhice no seu DNA, mas se extirpados do contexto social, o nosso cotidiano se tornará tão insosso quanto uma refeição de hospital.
O canalha é um ser autêntico, é o homem em estado bruto . É um representante da humanidade sem os arreios éticos e morais. Se a embriaguês é a mão que levanta o manto e revela o canalha que existe por baixo de cada envernizado cidadão, como bem expôs nosso cronista. Ao canalha tal recurso é desnecessário, pois ele é o que é em si mesmo.
Toda inteligente e sábia comunidade, sabe amar respeitar e conviver pacificamente com seus canalhas. Sabe que, na maioria das vezes, os males causados pelos canalhas são de pequeno potencial ofensivo e que tais atos, tolerados, renderão ao coletivo vasto material que alimentará as futuras lendas, desencadeará discussões e análises que irão beirar vedadeiras teses freudianas.
De tal importância se reveste o canalha que cada nação tem o seu como um mascote.
O nosso é o Pedro Malazarte; os americanos o tem na figura do Tio Sam; a Itália tem o seu amado Casanova; na Espanha Dom Giovanni e Robin Hood na Inglaterra. As crianças o idolatram nas figuras do canastrão Pica Pau e do maldoso Jerry.
Uma roda de Jogo é uma ambiente que transpira e cheira à canalhice.
Nosso Bem Amado, Odorico Paraguaçú!! Existiu ou existirá canalha mais charmoso, mais brilhante e mais identificado com um pedacinho de cada um de nós ?
O impagável Vadinho de Dona Flor ! Lorde Cigano de By By Brasil, Seu Quequé, o caixeiro viajante de Rabo de Saia. São apenas alguns exemplos dos grandes e amáveis canalhas que povoam nosso cotidiano artístico.
Na arte da conquista e nos jogos do amor, o canalha é imbatível.
Tente competir com um, e verá o resultado !
Mostre à abatida vítima de um canalha qual é sua verdadeira face e amealhará um definitivo inimigo.
Tais características e particularidades fazem com que, ao verdadeiro canalha - por mais combatido que seja pelos falsos moralistas - sempre irá restar o incondicional apoio da maioria, pois sem ele, ela perderá algo que existe e que nunca deixará de existir sob as suas históricas camadas de verniz, a sua própria canalhice. Afinal, já vaticinava o imortal Nelson Rodrigues : “ A virtude pode ser muito bonita, mas exala um tédio homicida".
Isaac Sandes - 03/05/09.

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