domingo, 29 de março de 2009

Há quase dez anos-luz! (sei que mede distância, não tempo!)

Mais um texto-de-ensaio...

Esse é muito querido e meio naïf, como tendem a parecer as coisas do passado.

Não o escreveria novamente ou, pelo menos, não o escreveria do mesmo modo. Entretanto, agrada-me vê-lo mais uma vez e saber que, há apenas dez anos, ainda tinha essa visão franca e inocente.



"A DÚVIDA




Meu amigo estava muito doente, pude perceber imediatamente.

Encontrei-o sentado, com o olhar fixo na parede. Sua fisionomia era angustiante, seu rosto, lívido.

Comecei a conversar como se não tivesse notado seu sofrimento, perguntando por algo de que agora nem me lembro.

Ao cabo de dois instantes, ele já estava pedindo minha opinião a respeito de assunto seu. Como sempre, posto que se tratava de questão já antes debatida, dei aquela resposta analítica de quem não quer ter a responsabilidade de influenciar numa decisão pessoal de outrem.

Considerei os dois lados do problema, tracei uma tangente pelas conseqüências e, enfim, passei ao largo de qualquer recomendação incisiva.

Não adiantou, como soe acontecer nesses casos. Deixei então que ele falasse mais uma vez.

Após longa exposição, voltou ao mesmo ponto: “o que é que eu faço? O que é que você acha?”. Tudo em sua vida era assim, desde a mais elementar escolha às grandes questões que todos nós temos.

Não sei se por incompetência minha, ou talvez por falta mesmo de experiência, sempre nessas ocasiões eu me limitava ao assunto que afligia meu amigo, embora no fundo nunca dissesse nada que fosse conclusivo. Dessa vez não foi diferente.

Assim que pude deixei ele a sós novamente, mas não sem ter o cuidado de desejar-lhe boa sorte. Com o tempo, tornei-me especialista nessa prática de parecer que estava ajudando.

A vida tratou de nos separar.

Voltei a vê-lo tempos depois. A julgar pelo que era antes, não posso dizer outra coisa senão que ele tinha sido curado. Era outra pessoa.

Como nos encontramos numa oportunidade em que ambos tínhamos tempo para conversar, aproveitei e, logo após os tradicionais relatos do que ocorrera durante o período, perguntei o que tinha causado aquela transformação, ao meu ver tão boa.

Era evidente sua segurança e tranqüilidade. Nem de longe se parecia com aquela pessoa cheia de dilemas, vítima da falta de iniciativa e inspiradora de compaixão.

Contou-me então que há uns meses, meio por acaso, tivera uma conversa com um amigo seu.

Esse seu amigo tinha lhe mostrado que a dúvida era o pior dos males que podiam acometer uma pessoa. Não achei que tivesse sido grande coisa, pois de um modo ou de outro todos sabemos disso.

Ocorre que esse seu amigo, não sei bem como, conseguiu mostrar-lhe que, no fundo, todos sabem exatamente o que querem; que as pessoas, apenas, nem sempre têm coragem de assumir as responsabilidades das escolhas; que ficam na indecisão com receio do que os outros vão pensar, ou porque não aprenderam a dizer “não”, por insegurança.

Meu amigo me disse que concordou com o que o seu amigo tinha lhe exposto, apesar de não ter sido capaz de entender perfeitamente o alcance e a dimensão da coisa.

Até que um dia, sem que tenha havido qualquer provocação ou fato que lembrasse o que seu amigo tinha lhe dito, ele simplesmente captou o sentido da mensagem. Foi o que ele me relatou.
Considerei um tanto estranho, pedi que contasse como foi.

Ele disse que espontaneamente começou a se sentir ansioso, inseguro e fraco, como sempre ficava quando estava com alguma dúvida. Só que dessa vez não procurou adiar a decisão ou pensar em algo diferente. Enfrentou a si mesmo.

Contou que passou a noite sem dormir, a cabeça a mil. A luta interna tinha sido muito intensa, os dois lados muito fortes. Alfim tinha vencido a verdade. Disse que a vencedora, em qualquer caso, só poderia ter sido a verdade, e que é sempre melhor quando a verdade vence o mais cedo possível. Ao cabo da tormenta, ele tinha compreendido o que seu amigo tinha transmitido.

Terminou seu relato meio filosoficamente: “a verdade é só uma e sempre a vencedora. Deixarmos a verdade em segundo plano não a faz desaparecer. Ela voltará um dia”.

Fiquei calado, ergui as sobrancelhas, olhei para ele com ar de perplexidade. Não pude me abster de perguntar o nome desse seu amigo, que tinha lhe plantado semente tão valiosa.

Disse, antes de nos despedirmos, o nome do seu amigo, um colega de profissão.

Dei os meus parabéns e, antes de virar as costas, pedi para que um dia me apresentasse essa pessoa."



Em outubro de 1999.
Humberto Pimentel Costa.

3 comentários:

  1. Ainda bem que você colocou "sei que mede distância, não tempo!"

    Abraço.

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  2. inspirador... :)

    Ana Maria Lustosa

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  3. Adoro esse texto!! ;)
    Beijos,
    Fernanda

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Muito obrigado pelo comentário!