segunda-feira, 30 de março de 2009

Primeira contribuição de Marcus Rômulo

Conhecedor de alguns de seus textos, dentre os quais "O prestidigitador", solicitei ao meu amigo Marquinhos a sua contribuição para este blog, tendo pedido, especificamente, o referido escrito.

Solícito e atencioso, dando a mim a certeza de ter batido em boa porta, Marquinhos afirmou que não estava conseguindo encontrá-lo, tendo em vista sucessivas trocas de computador, fato que a todos nos acomete, com grande prejuízo literário.

Não obstante, prometeu-me o envio de um outro texto.

Pois bem, eis que encontro hoje, em minha caixa de e-mails, a pérola que, com grande satisfação, publico abaixo.

Muito obrigado, Marquinhos! Espero que esta seja, apenas, a sua primeira contribuição.

Quanto aos demais amigos, rogo, mais uma vez e encarecidamente, a todos vocês, que também colaborem, com comentários e/ou textos, como Isaac, George, Fausto, Dom Vicente, Wlad, Bosco, Pedro, Fernanda, Fabiana(s), Carlinha, Elaine, minha mãe, Marquinhos e outros, tendo em vista a natureza exemplificativa do rol, que espero ver sempre expandido.

Um grande abraço a todos!




"AS MÃOS DE UM TRABALHADOR NUNCA ESTARÃO SUJAS

Um amigo me escreveu a seguinte carta:

Caro Marcus,

Gostaria de saber sua opinião jurídica sobre um incidente ocorrido esta semana.

A babá do meu filho estava sentada no sofá da recepção do prédio onde moro quando a síndica viu e mandou o porteiro avisá-la que era proibido sentar ali. Esse fato revoltou-nos, a mim e a minha esposa, porque nos pareceu evidente preconceito. Minha esposa ligou, então, para ela, a fim de obter satisfação.

Primeiro, a síndica disse que o carrinho do bebê arranhava o piso de porcelanato. Isso muito me estranha porque o piso da recepção é o mesmo do meu apartamento que nunca arranhou, afinal, o carinho tem rodas de borracha.

A síndica também alegou que não se tratava de discriminação; que aquele lugar era um corredor de passagem e que o sofá se destinava apenas aos visitantes, sendo que a proibição se estendia, também, aos moradores do edifício, mas que não haveria problema em usá-lo se o bebê estivesse doente ou algo assim; que queria evitar baderna naquele lugar, pois já encontrara até uma camisinha ali...

O que você acha? É legal essa proibição?

Respondi-lhe, então:

Caro Marcos, (nesse ponto, esclareço ao leitor que é apenas uma coincidência, não se trata de um amigo imaginário, fazendo crer que o fato ocorreu comigo)

Primeiramente, quero crer que se o carrinho de bebê arranha o piso do prédio provavelmente a culpa é do piso, afinal, piso foi feito pra ser pisado e não pode ter a sensibilidade dos alfenins.

Segundo, por que alguém mandaria um bebê doente ficar na recepção do prédio é algo que me foge à lógica.

Tampouco consegui aquilatar a relação entre Camisinha de Vênus, a babá e o seu filho de seis meses. Estaria havendo um affair entre eles? Teria ele deixado a camisinha cair quando surpreendido pela síndica? Também não consegui alcançar, pictoricamente falando, algo que possa relacionar baderna e o quadro de uma babá sentada num sofá defronte a um carrinho de bebê!

Quanto à justificativa de que ali é local de passagem, tenho, para mim, que local de passagem é corredor e ninguém em condições normais adornaria um corredor com um sofá! Quem já viu sofá em corredor? Eu vi, sou forçado a admitir, mas só em repartição pública.

Mas o que me deixou perplexo foi a proibição de sentar no sofá! De que serve um sofá, senão pra sentar? Curioso é que a proibição se estende aos próprios moradores, donos do sofá em última análise.

Se bem entendi, só visitantes podem sentar no sofá. Só não entendo por que alguém haveria de receber suas visitas na recepção do edifício. O normal é que se convide o visitante a subir ao apartamento. Imagine você recebendo visitas e, ao invés de mandá-las subir, desce pra recebê-las na recepção. Pior! Como só aos visitantes é dado sentar-se, você ver-se-ia na contingência de recebê-los em pé, suprema indelicadeza. Imagine a cena, o visitante, que já está ofendido por não ter sido convidado a subir, sentado no sofá e você permanecendo em pé, empedernido.

Confesso-te que fiquei deveras curioso por conhecer o tal sofá. Deve ser, realmente, algo espetacular. Apressar-me-ei em visitar-te. Espero que não me convides a subir. Já me vejo lá, você em pé, resignado, e eu refestelado naquele opulento sofá, abobalhado de prazer, a soltar suspiros maviosos!

Concluo achando que, por se tratar de uma regra que não se aplica aos visitantes, mas aos moradores e trabalhadores do prédio, e como não vislumbro a possibilidade de o porteiro ou quem quer que seja vir a reclamar de algum morador que esteja ali sentado, é evidente que os verdadeiros destinatários da proibição são mesmo os empregados.

Quanto a dizer se isso é certo ou errado, me recordo de uma história que li certa vez no excelente blog “Domingo à noite” do Humberto Pimentel, escrita por Fausto Luiz e denominada Mãos de trabalhador. Conta ele que certa vez o navio em que trabalhava estava ancorado em Montreal. Ele estava subindo as escadas da praça de máquinas quando se deparou com uma imensa turma de visitantes. Uma senhora antecipou-se no cumprimento estendendo-lhe as mãos, o que o deixou constrangido já que estava com as mãos sujas de óleo. A senhora, porém, não recuou, apertou-lhe as mãos e disse a ele:

- As mãos de um trabalhador nunca estarão sujas!

Esse gesto digno me encantou. Sei que não é o caso do Fausto. Citei esse relato apenas para dizer que muitos pais de classe média admitem que seus filhos se sustentem no exterior com trabalho braçal por acharem-no perfeitamente digno, desde que essa dignidade se apresente sob a forma de remuneração em euro ou dólar, e não em reais, como no caso citado por você.

Com isso espero ter respondido a sua pergunta,

Atenciosamente,

Marcus Rômulo."

Um comentário:

Muito obrigado pelo comentário!