quarta-feira, 4 de março de 2009

Outro conto pequeno?

Como hoje não estou nem um pouco inspirado, mas recebi um elogio que me tocou, deixo mais um texto escrito em priscas eras:


"ILUSTRE DESCONHECIDO


Quando entrei naquela banca de revistas, sábado passado, não buscava nada além de um refrigerante, como costumava fazer há muito tempo, antes de voltar para casa. Sou dado a roteiros e rituais, portanto minhas semanas não diferem muito umas das outras. Qualquer mudança de programação me aborrece profundamente. Sempre fui assim, todos sabem. Alguns amigos chamam a isso enquadramento, eu prefiro utilizar a palavra método.
Seja como for, nesse sábado me vi forçado a modificar os meus hábitos. Ainda não estou plenamente recuperado, não nego, mas alguma coisa aprendi com o incidente. Pelo menos oxigenei um pouco a minha rotina.
Tão logo pus os pés no tablado metálico, percebi um sujeito me observando. Não dei muita atenção, afinal não há nada demais em se olhar para quem chega num ambiente tão pequeno. Só que ele estava sendo muito insistente. Era um tipo comum, com aproximadamente a minha idade. Usava óculos também, mas tinha uma barriga tão grande que fez com que me sentisse mais jovem.
- Tudo bem rapaz, quanto tempo? – Falou sem cerimônia.
- Tudo. – Respondi, não tendo a menor idéia de com quem estava conversando. De onde eu o conhecia, afinal?
Ele disse o meu nome e perguntou por onde eu tinha andado. A situação era crítica. Primeiro porque sabia o meu nome, segundo porque não me deu nenhuma informação que ajudasse a descobrir sua origem. Por fim, queria saber por onde eu andava, ou seja, achava que tinha intimidade para isso. Se pedisse para que lhe contasse as novidades, seria o caso de perder a compostura. Eu quase disse que andava pelos mesmos lugares, que todas as semanas estava naquela bendita banca, às cinco e meia da tarde. Mas a prudência me acudiu oportunamente.
- Pois é... e você? – Tentei ganhar tempo.
- Tudo na mesma... mas acho que você não se lembra de mim, lembra?
Minha resposta demorou. Até o último instante não sabia o que falar. Dizer a verdade ou mentir tinham implicações desagradáveis. Aquele deveria ter sido um dia normal. Optei por não o ofender, disse que era claro que o conhecia, assumindo todos os riscos da decisão. Ele sorriu satisfeito.
Apertamos as mãos e nos desejamos um bom fim-de-semana. Tinha funcionado, eu estava livre daquele ilustre desconhecido.
Mas a mente, essa faculdade por vezes autônoma e cheia de vontades, cobrou de mim uma explicação. Quem seria ele? A pesquisa vasculhou cantos e recantos, percorrendo memórias e lembranças, numa busca cansativa e inútil. Perdi a concentração e terminei não comprando o que queria. Um enorme sentimento de culpa me invadiu. Decidi que não passaria mais por isso.
A partir daquele dia determinei a mim mesmo que não compraria mais refrigerantes na banca de revistas."

Em junho de 2003.

6 comentários:

  1. Parabens! gostei da maneira que você aborda o cotidiano.

    ResponderExcluir
  2. Olá Humberto, fui seguindo uma trilha virtual de coincidências e cheguei a vc. Primeiro, descobri a Elaine e através dela, cheguei no seu blog e através do seu blog encontro meu queridíssimo amigo Elicio Murta,que há muito não o vejo. Foi bom reencontrá-lo lembrando versos de Borges.Foi bom tb encontrar.Que as noites de domingo continuem inspirando vc! abraços da Leda

    ResponderExcluir
  3. Tentei ser diferente mas nao consegui...
    Sou sua fã !!!Parabéns!!!

    ResponderExcluir
  4. Quem te elogiou desta vez? ;)

    Hannah

    ResponderExcluir
  5. Quem mais? (quer dizer)
    kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    (Será que o Pedro vai decifrar isso?
    kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    ResponderExcluir

Muito obrigado pelo comentário!